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O olhar sobre a adolescência - Lindinhas

  • Foto do escritor: Débora Palma
    Débora Palma
  • 12 de out. de 2020
  • 4 min de leitura

O longa Mignonnes (no Brasil lançado como Lindinhas) e dirigido por Maïmouna Doucouré, aborda um período bastante sensível no desenvolvimento humano: a adolescência.


Maïmouna relata que sua inspiração foi sua própria adolescência (e sua principal indagação sobre o que era ser uma mulher) e também por ter visto uma apresentação de meninas muito jovens, simulando os passos e as danças que viam na TV. Por isso, ela passa mais de um ano debruçada sobre temas como: adolescência, cultura, redes sociais - e como todo aquele “caldo” construía a vida das adolescentes, impactando suas formas de viver, se relacionar, ser.


O objetivo é abordar a construção do feminino a partir de paradigmas, que são fortemente influenciados por padrões das midiáticos. Por isso, surge uma questão importante: O que é ser mulher na cultura ocidental? Qual o principal padrão de feminilidade? Como esse padrão vem influenciando e moldando o comportamento de crianças e adolescentes?

Logo, a abordagem, longe de estimular a sexualização, é crítica a ela - critica-se a objetificação do corpo feminino, por exemplo, e lança o desafio da compreensão do ponto de vista de crianças e adolescentes que se inspiram em modelos e tentam copiá-los. Isso oportuniza a aproximação de pais, educadores e sociedade como um todo a compreender o mundo do adolescente, ajudando-o a compreender as transformações físicas e psicológicas pelas quais passa.


Em diversos momentos, as danças, as coreografias das meninas são proibidas ou censuradas. E nenhuma dessas tentativas, no entanto, diminuiu o desejo delas de continuar dançando, treinando, e se vestindo com as roupas performáticas - elas estavam construindo suas identidades e se definindo como mulheres a partir do padrão que elas conheciam: os materiais adultos e a imagem sexualizada nas mídias, mostrando que a exposição era um sinônimo de fama, de influência, de poder. E, sim, isso é perigoso, pois as meninas do documentário conquistam resultados, sim - ainda que não entendam as consequências de seus comportamentos.

“Se de um lado Lindinhas escancara a sexualização precoce, de outro apenas resvala em temas não menos relevantes e próprios da pré-adolescência, seja na periferia, seja nos quatro cantos do Brasil: estão no roteiro o bullying ou vínculos utilitários entre crianças; a prática de pequenos delitos e seus riscos; dramas familiares insolúveis; choque de culturas e conflito de gerações; sensação de desamparo doméstico e busca pelo suporte social; banalização da importância da menarca (primeira menstruação); fascínio pelas redes sociais e mau uso delas; premência em superar a falta de perspectiva; necessidade “tóxica” de sucesso e fama; indignação com a ordem patriarcal e identificação com a mulher (mãe) submetida ao homem, pela revolta e pelo sofrimento inconfessos“ (ABDO, p. 87).

Muito mais do que condenar comportamentos adolescentes, é importante refletir quais os padrões que a sociedade impõe - e a influência estendida sobre os jovens, que acessam esses conteúdos por verem neles possibilidades de ascensão, de conquista, de construção do eu (que está super em alta nesse momento da vida). Além disso, oportuniza pensarmos em nossa própria adolescência: que desafios enfrentamos? Como nos sentíamos? Quais eram os nossos padrões de beleza? De riqueza? De sucesso? Quais conflitos tínhamos com os outros (familiares, professores etc.?). A diretora, em entrevista, disse que uma de suas inspirações para o longa foi sua obsessão, quando adolescente, de descobrir o que era ser uma mulher.

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Lindinhas conta a história de uma garotinha de onze anos, Amy, senegalesa, que está tentando se encontrar como mulher. Ela transita entre diferentes modelos de feminilidade - sua mãe, sua família, sua cultura e as meninas da escola, que dançam, são “descoladas” e que também estão na busca da construção de sua identidade. Ou seja, ela navega por três culturas: a cultura de sua família, a cultura ocidental francesa, e a hiper ficção das redes sociais. Já pensou como é confuso viver diante de tantos aspectos diferentes a escolher?


Amy tenta encontrar sua liberdade por meio do grupo das dançarinas hiperssexualizadas - ainda que isso não seja, é claro, liberdade (eis a crítica da diretora). O fim do documentário mostrará que a liberdade significa descobrir seu próprio caminho. E a verdadeira pergunta, que perpassa todo o documentário é: como podemos realmente escolher quem queremos ser, para além dos exemplos impostos pela sociedade?

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Excessos, atitudes erráticas e descontextualizadas, instabilidade e afrontas são próprios de quem tem pouca idade. Isso se resolve com educação e tempo. O tempo passa e assim faz a sua parte, sem poder esperar que os adultos respondam pela parte deles. Aos pais cabe estarem aptos para acolher, educar e corrigir. (ABDO, p. 87).

Este é um filme profundamente feminista, com uma mensagem ativista. E é parte fundamental da sociedade descobrir como podemos oferecer o que há de melhor para nossas crianças e adolescentes, construindo com eles possibilidades de vida e de construção do eu que contemplem sua individualidade e formas de ser no mundo, para que cresçam de forma segura e vivam uma versão segura de si mesmos, tendo consciência de que aquilo que escolherem ser lhes nutre psicológica e socialmente.


REFERÊNCIA

ABDO, Carmita. Assista antes de condenar. Veja, São Paulo, ed. 2707, ano 53, nº 41. P. 86-87, out. 2020.


 
 
 

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