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O que é ser produtivo?

  • Foto do escritor: Débora Palma
    Débora Palma
  • 22 de nov.
  • 4 min de leitura

Li um livro que me ajudou a responder a algumas questões que muito me impactavam, acerca da produtividade e do que é ser produtivo hodiernamente - em especial, no mundo do trabalho. O livro é o excelente "Produtividade lenta", de Cal Newport. Esta é uma leitura essencial, especialmente se considerarmos o momento em que vivemos - a IA vem redefinindo a forma como trabalhamos; por isso é tão importante a resposta: o que é a produtividade?


Vou trazer os principais pontos que me chamaram atenção nessa leitura.


O livro "Produtividade Lenta" surge como uma crítica urgente à "religião" da produtividade que se enraizou na cultura corporativa moderna, exacerbada pela hiperatividade digital e pela pressão intensificada durante a pandemia. Essa cultura impõe uma cobrança incessante que gera ansiedade e estresse, priorizando uma "linguagem da produtividade" baseada na quantidade em detrimento do prazer de pensar e criar com qualidade.



A Origem do Problema: Pseudoprodutividade


O cerne da crise reside na inadequação das métricas de trabalho herdadas dos séculos XVIII e XIX. A produtividade, originalmente ligada à agricultura e, posteriormente, à manufatura (Taylorismo e Fordismo), era medida pelo volume de output por input em um processo repetitivo. Essa lógica foi irrefletidamente transferida para o Trabalho do Conhecimento (Knowledge Worker), um conceito popularizado por Peter Drucker, cujo valor reside no conhecimento especializado e na qualidade da criação, e não na força física ou na repetição.


Peter Drucker identificou essa transferência como o "maior desafio gerencial", criticando o foco excessivo na quantidade, a confusão entre "estar ocupado" e "ser produtivo", e a falta de autonomia do trabalhador para definir sua tarefa. O resultado dessa falha de categoria é a Pseudoprodutividade, definida como o uso de atividade visível (como responder e-mails ou participar de reuniões) para simular o esforço produtivo real, levando o trabalhador à exaustão por tarefas de baixo valor. As ferramentas digitais (e-mail, Slack, Zoom) apenas amplificaram essa crise, criando um ciclo vicioso de sobrecarga e interrupções (e para quem trabalha com o conhecimento, já sabemos o quanto essas interrupções são irritantes e nos levam a um ciclo de repetição: realizamos tarefas de menor importância, porque são para elas que conseguimos, efetivamente, dedicar nossa reduzida atenção; projetos maiores, mais importantes ou com mais etapas acabam ficando em segundo plano, ou são mal-executados, dada a falta de disponibilidade que temos para executá-los).


A Filosofia da Produtividade Lenta


Como alternativa a essa corrida incessante, o livro propõe a Produtividade Lenta (Slow Productivity), uma filosofia que busca transformar o trabalho em uma fonte de significado e sustentabilidade, ancorada em três princípios essenciais:


  1. Faça menos coisas.

  2. Trabalhe em um ritmo natural.

  3. Preocupe-se com a qualidade.



Princípio #1: Faça Menos Coisas


Este princípio é uma rejeição direta à armadilha da sobrecarga logística, que leva à exaustão e à queda da qualidade. O autor argumenta que a produtividade real não é alcançada trabalhando mais horas, mas sim reduzindo ativamente a cota de tarefas para dedicar foco intenso e profundo a um conjunto menor de prioridades.


O autor cita o exemplo de Richard Feynman e Banjamin Frankling, que deliberadamente reduziram grandes projetos, delegando ou eliminando tarefas administrativas (como fez Frankling com David Hall) para proteger o tempo e energia mental, que são o capital do trabalho do conhecimento. A regra é clara: fazer menos coisas permite a excelência por meio da gestão estratégica da atenção.


Princípio #2: Trabalhe em um Ritmo Natural


O segundo princípio ataca a "urgência inabalável" e a monotonia do esforço ininterrupto. Historicizando o trabalho, o autor demonstra que o esforço contínuo e a intensidade invariável da era industrial são anomalias que alienam o ser humano de sua natureza. Há diversos exemplos de pessoas ou povos que trabalham em ritmo mais natural, como os povos de caça-coleta e agricultores primitivos trabalhavam em um ritmo sazonal e variável, com longos períodos de lazer e contemplação após a atividade intensa. A Produtividade Lenta exige a reintrodução desse ritmo natural no trabalho intelectual, permitindo variações de intensidade e pausas estratégicas para evitar a exaustão e garantir que o trabalho se desenvolva em um cronograma sustentável, propício à excelência.


Caminhante Sobre o Mar de Névoa (1818) - Caspar David Friedrich
Caminhante Sobre o Mar de Névoa (1818) - Caspar David Friedrich


Princípio #3: Preocupe-se com a qualidade


A atividade performática ("parecer ocupado demais") e a qualidade de vida sacrificada (porque sentimos a urgência e a imprescindibilidade de manter um "ritmo acelerado") não são sinônimo de um trabalho bem-executado. Não se trata meramente de trabalhar menos, mas transformar a rotina de estresse imposto em algo que seja fundamentalmente seu, e que você encontre satisfação no seu trabalho.


O trabalho em redefinição


Em um contexto onde a Inteligência Artificial (IA) aumenta a capacidade de produção, a questão da qualidade da produtividade torna-se ainda mais crítica. A IA, ao automatizar tarefas rotineiras, pode potencialmente liberar o trabalhador do conhecimento da pseudoprodutividade (tarefas visíveis e quantificáveis) e forçá-lo a focar no que a máquina não pode fazer: pensamento profundo, inovação, estratégia e julgamento humano.


Por isso, estamos diante de dois paradigmas:

Paradigma Antigo (Pseudoprodutividade)

Novo Paradigma (Produtividade Lenta)

Métrica: volume de outputs (e-mails, reuniões, tarefas concluídas)

Métrica: contribuição de valor e qualidade (resultados que impactam os objetivos estratégicos)

Foco: esforço, horas trabalhadas

Foco: atenção, foco profundo e sustentabilidade

Meta: estar constantemente ocupado (e fazer questão de mostrar isso)

Meta: conquistar legado e excelência

Perguntas de mapeamento: quantas tarefas foram concluídas? quanto tempo foi gasto em cada projeto?

Perguntas de mapeamento: qual a qualidade da solução criada? o que foi eliminado para permitir o foco? o trabalho resultou em inovação?

Ao fim e ao cabo, o livro me fez refletir acerca do seguinte: onde queremos chegar? com o que desempenhamos nossas funções? que resultados teremos daquilo que estamos fazendo? e, principalmente, como flexibilizar rotinas de modo que sejamos produtivos, muito mais do que ocupados?


Num cenário como o nosso, a produtividade deve ser medida pelo alinhamento do trabalho com o propósito, garantindo que o esforço cognitivo vai te trazer um resultado de valor real, no lugar de apenas ter uma agenda cheia.



 
 
 

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© Débora Palma

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